Não quero me vitimizar, mas a dura realidade é que ser mãe e ter uma carreira são caminhos que dificilmente se convergem. E eu digo isso do alto do meu privilégio: tenho duas funcionárias para me ajudar, trabalho de casa e tenho um marido presente que também trabalha de casa.
Mas a maternidade tem nuances que vão além dos privilégios.
De cara, há os limites do corpo feminino que se esgota para produzir e entregar o leite ao bebê. Há um cansaço inato para que essa produção aconteça. O corpo sente.
E ainda há o sono intermitente dos despertares noturnos. É um cansaço que nunca se recupera. Seja porque o bebê demanda a atenção da mãe durante o dia, seja porque ela precisa retornar ao trabalho.
E é óbvio que o cansaço afeta o trabalho. É difícil fazer cálculos tributários de PIS e COFINS, ou explicar a reforma tributária para estrangeiros quando a mente apenas consegue gritar por um travesseiro macio. Mas fazemos da mesma forma, talvez levando um pouco mais de tempo.
E aí vem a culpa. A culpa por não conseguir acompanhar o bebê o dia todo e delegar o trabalho para uma ajuda paga ou não. A culpa por estar cansada e não conseguir empregar a energia necessária para trazer novos negócios. A culpa por não conseguir fazer tudo o que gostaria e com a mesma maestria de antes.
As funções se acumulam. A casa ainda precisa de você, o trabalho precisa de você e agora aquele serzinho também precisa de você.
E há a questão da amamentação.
Ela não deveria ser uma escolha, já que há inúmeras evidências científicas demonstrando como o leite materno é o alimento espécie-específico mais indicado de forma exclusiva para os bebês de até seis meses, e de forma complementar à alimentação até pelo menos os dois anos.
Mas a verdade é que amamentar é o céu e o inferno. Não há nada mais gostoso que ter seu bebê nos braços e se ver suficiente para fornecer a ele tudo o que ele precisa: amor e alimento.
Só que amamentar também é uma prisão. Por pelo menos um ano, quando o bebê depende mais do leite materno que de qualquer alimento, não é possível sair de casa sozinha por mais de três horas sem que receba um áudio pedindo para voltar logo, sonorizado pelo choro irritado ao fundo.
Não é possível fazer reuniões externas ou viagens prolongadas sem que isso requeira uma logística muito bem planejada e preparação de pelo menos um mês.
Não é à toa que o mais comum é o desmame precoce. Oferta de mamadeira que acaba no bebê fora do peito. Pode parecer que foi uma escolha dele, mas na grande maioria dos casos é a tão famosa confusão de bicos.
A vida muda. As carreiras sofrem e os bebês também.
Não quero me vitimizar, mas a verdade é que me sinto vítima sim. Vítima de uma lógica de trabalho que pouco pensa nas mulheres mães. Que pouco se adapta a essa nova rotina.
Somos responsáveis por um novo ser, o futuro da nação, mas a carreira chama, e de um modo duro e perverso. E não há como atribuir a “culpa” ao seu superior, ou ao seu colega. Eles nao fazem por mal.
É a lógica do sistema ignorando que a dedicação ao trabalho no início será sim afetada e não há como esperar que uma mãe recente tenha o mesmo desempenho dos seus pares.
O mundo não está preparado para mães que trabalham. Quatro meses, seis meses que sejam, não são suficientes para que a mulher retorne a pleno vapor. Não sem que isso custe o cuidado do bebê. Se a amamentação é indicada até os dois anos pelo menos, não seria óbvio que os ambientes de trabalho se adequassem a essa recomendação? Que permitissem um retorno paulatino com adequação de metas?
E não há prejuízo para as empresas, pois há muitas pesquisas demonstrando que o desempenho das mães se recupera e até melhora com o tempo, já que adquirimos muitas qualidades úteis como capacidade de planejamento, empatia e adaptabilidade. Mas não será imediato. Precisamos de tempo, de confiança.
Enfim, não quero me vitimizar, mas sou vítima.